15.8.18

o lugar da percepção na análise arquitetônica

Edifício Copan (Oscar Niemeyer): croqui da fachada sul e fotos de um dos pilares da base.  

Foi percorrendo o Copan (especialmente a fachada sul, a menos visível da rua), com meu corpo, olhos e lápis, que descobri que a arquitetura pode desenhar o céu. Junto disso, descobri que uma obra de arquitetura, apesar de estar sempre ali, pousada, inerte, em um lugar determinado, pode também acontecer em movimento: a cada passo, o que era curvo pode se tranformar em reta (ou quem se movimenta e se transforma de curvo em reto é o céu emoldurado?)

Dentro do Copan, então sob um céu de concreto (nunca aparente, notei), um filhote do que estava lá fora: uma laje desenha esse céu interno. Agora, é só mexer um pouco a cabeça, que esse céu desenhado já se movimenta e se transforma (as duas fotos são de um mesmo pilar visto de baixo para cima).

Descobrir isso (que o arquiteto certamente já sabia e queria nos contar ao fazer) foi uma das coisas que me deixaram mais feliz ao estudar o Copan.

10.1.12

balada do rei das sereias - Osvaldo Lacerda e Manuel Bandeira


Registro da experiência de 2/12/2010. Tive a oportunidade de reger, no auditório do MASP, a classe de Regência Coral do Departamento de Música da ECA-USP cantando a Balada do rei das sereias, de Osvaldo Lacerda (música de 1984, a partir do poema de Manuel Bandeira). Supervisão e orientação: Prof. Marco Antonio da Silva Ramos. Vídeo: Gustavo Oukawa.

Não pensei que voltaria a reger ou trabalhar com canto coral tão cedo, mas já em março de 2011 surgiria uma nova oportunidade, vinculada ao trabalho de conclusão do curso de licenciatura em música. A experiência com o "Coral do TCC", que foi registrada em www.blog-do-tcc.blogspot.com, foi ótima para que eu pudesse trabalhar com algo em que acredito: que o canto, intrumento que todo ser humano "é" em potencial é uma porta eficiente para a musicalização. E que o formato "coral" só vem a favorecer esse desenvolvimento.

As aulas de Regencia coral ocorreram concomitantes à outra experiência de natureza semelhante, o estágio em musicalização infantil na Escola Municipal Marechal Esperidião Rosas, processo que ficou registrado em blog já divulgado aqui: www.blog-do-estagio.blogspot.com

22.11.11

nico & gabi: tirinhas novas!

As tiras dos irmãozinhos Nico & Gabi surgiram no primeiro dia de outubro de 2011, após alguns anos sem muitos desenhos nem contação de histórias, como um singelo começo em meio a uma fase de "finais" significativos (da graduação em Música e da obra da Casa Chippa). Em uma das idas e vindas (da obra para a loja de tintas) na manhã daquele sábado, apareceram, "do nada", esses dois personagens. Os esboços feitos no final do dia são exatamente as quatro primeiras tiras, publicadas, inicialmente, no facebook. Depois delas, novas ideias começaram a surgir. Até pelo pouquíssimo tempo disponível para produzir os desenhos, foi mantido o princípio de se trabalhar praticamente sem rascunho. Com essa origem quase acidental, as tirinhas de Nico & Gabi (com participações de Timão, o gato) são, pode-se dizer, despretensiosas. Mas, pensando bem, tomara que possam contribuir, de alguma forma, para a reflexão acerca da infância e das práticas educativas.

Visite Nico & Gabi em www.nicoegabi.blogspot.com!

27.10.10

educação como arte: do amor à crítica

Mais um texto elaborado no final do primeiro semestre de 2010 para a disciplina de psicologia da educação, da faculdade de educação da usp, como parte do curso de licenciatura em música.

A aula de 5/5/2010 (Conhecimento transversal, interdisciplinar e a metáfora de “rede”) tratou do segundo ponto sugerido como estratégia de ação para a educação em valores na aula anterior, do desenvolvimento de projetos como eixo vertebrador do currículo.

O currículo tradicional está montado sobre os conteúdos disciplinares, que encontram-se isolados uns dos outros. Esta ainda é uma estratégia moldada a partir da estrutura do vestibular. Uma educação transformadora deveria partir de temas transversais, diretamente relacionados ao cotidiano do aluno, no sentido da constatação do professor Nilson Machado (em um dos vídeos exibidos), de que “a vida não é disciplinar; a escola é”.

Assim, tendo os eixos transversais como vertebradores do currículo, por meio de projetos interdisciplinares, surgiria um ambiente aberto para o novo. A estratégia estaria fundamentada na ação de dar um sentido ao conhecimento, com base na busca de relações entre fenômenos naturais, sociais e pessoais.

Como resultados, tem-se que, o se “tratar de perguntas sem resposta com rigor científico”, perde-se o constrangimento de arriscar. Além disso, a organicidade permitida pela interdisciplinaridade e pelo diálogo favorecem a compreensão do mundo e o desenvolvimento de sentimentos morais, que se traduzem em motivação para transformá-lo.

Diante desta perspectiva bastante encorajadora de renovação do ensino, encontrei na bibliografia (ARAÚJO, Ulisses F. Temas transversais e a estratégia de projetos. São Paulo: Moderna, 2003) apenas um único ponto que considerei insatisfatório e que diz respeito à maneira como a arte se insere no currículo. Tento explicar-me, a seguir, com base no percurso realizado, no livro, para a apresentação de uma evolução do sistema tradicional (conteúdos como eixo) ao representado pela metáfora de rede (que enxergo nem tanto como uma teia, mas mais como núcleos cujos raios se interpenetram, formando uma conexão estruturada entre os conhecimentos).

No primeiro diagrama que reproduzo abaixo (apresentado originalmente na página 57), referente ao modo mais tradicional de estruturação do currículo, têm-se “artes” no eixo vertebrador, junto às outras disciplinas curriculares tradicionais. Durante a leitura, minha primeira vontade foi a de inserir um vetor para “artes” também naquele considerado eixo transversal, como uma “temática” do cotidiano – o que, a princípio, julguei ser totalmente possível e desejável.


"primeira concepçãp de ensino transversal"

O diagrama seguinte (página 63), no qual já há uma inversão entre os eixos, com as temáticas transversais como estruturadoras do currículo, ainda é considerado insuficiente pelo autor, em face à metáfora da rede. Nele, no entanto (e espero que tenha sido uma falha da edição), as artes desapareceram completamente! Tive um sensação de vazio mesmo ao observar o diagrama e, no meu exemplar, tracei instintivamente um vetor para “artes” na direção diagonal, de modo a transpassar os dois eixos.


"segunda concepção de ensino transversal"

A terceira concepção é a apresentada como ideal pelo autor, que usa a imagem de uma teia de aranha e de uma rede neural para ilustra-la. Isto agora não vem ao caso, mas essas imagens me pareceram ainda insuficientes para tratar da interrelação entre os saberes. Nas teias, embora as ligações não sejam apenas ortogonais, os pontos estão fixos. Penso que uma representação mais próxima do que seria uma relação mais plena entre os saberes possa ser conseguida ao se imaginarem núcleos em constante movimento, que se tocam ou se interpenetram, mais ou menos profundamente...

Enfim, considero o método construtivista revolucionário face à educação ainda reconhecida como tradicional, assim como considero válidos e concordo amplamente, com base no que foi apresentado nas aulas e nos textos, os benefícios dos instrumentos da assembléia e do desenvolvimento de projetos. No entanto, como arquiteta e estudante de licenciatura em música, me preocupou bastante a ausência ou, pior, a presença “fraca” das artes em uma discussão que, além de já se materializar na prática, é realizada por profissionais visivelmente engajados e tem tudo para ser transformadora da educação.

Tentei pensar em algum motivo para a lacuna e encontrei a seguinte hipótese: talvez tenhamos passado tanto tempo sem uma educação artística adequada e, assim, sem um contato com obras de arte autênticas, que os próprios educadores e atuais debatedores e transformadores da educação não tenham tido a oportunidade, enquanto educandos, de tomar contato com o que seria uma vivência artística autêntica. Deste modo, realmente não faria sentido (seria falso) defender uma presença das artes como parte da estruturação do currículo.

Gostaria de ser capaz, no entanto, de chamar atenção para o quanto isso deve ser conscientemente considerado, estudado e revertido, para que o resultado de nossas proposições não venha a ser um ensino formativo e crítico, mas desprovido da beleza e de um desenvolvimento mais pleno dos sentimentos e das habilidades humanas.

A ação transformadora do mundo não precisa vir somente de um lado, da compreensão e de uma postura que nos mova a transformá-lo. Isto já é uma grande coisa; mas ainda é pouco se levarmos em conta que esta ação pode vir, também, de um profundo sentimento de amor ao mundo e que a transformação que ela motiva pode estar da maneira mais visceral possível vinculada ao desejo e às habilidades de tornar o mundo mais belo.

É nesta relação entre cognição e sentimento que repousam (ainda) o imenso potencial e a indispensável contribuição da arte à educação.

29.8.10

estratégias para o ensino de artes na escola

Texto elaborado no final do primeiro semestre de 2010 para a disciplina de psicologia da educação, da faculdade de educação da usp, como parte do curso de licenciatura em música.


O fracasso escolar


Nos seminários apresentados na aula de 19.05.2010, vimos o tema do fracasso diretamente relacionado à questão da avaliação, sendo a avaliação hoje ainda excessivamente vinculada ao conteúdo – e, prosseguindo o encadeamento, o conteúdo como algo ainda bastante encerrado em si mesmo.
Para mim, mesmo conhecendo o tema do fracasso escolar, ainda é um espanto o termo “fracasso” associado à “escola”. Por isso, toda vez que o tema vem à baila, tenho uma certa dificuldade para “ligar” o motor da minha compreensão. Tenho dificuldade mesmo em usar o termo para falar da escola. Para ver se entendo melhor, tendo a buscar em minha própria experiência o que entendi por episódios de fracasso escolar – daí, talvez, o tom mais pessoal neste fragmento do que nos demais, pedindo licença para relatar, a seguir, exemplos de fracasso que eu mesma vivi.
Fracasso escolar eram as aulas de música que tive no único semestre em que estudei no Colégio Rio Branco. Foi na segunda-série, em 1988. A professora entrava na classe marchando, enquanto a classe cantava: “bom dia mestra-tra, bom dia mestra-tra/ vamos cantar felizes a lição/ que lhe deseja um dia alegre/ cheio de paz, amor e emoção” com a melodia da música que abria o show de calouros (acho, porque eu via bem pouca TV) do Silvio Santos. Depois, a professora entoava com a classe “todos” os hinos (nacional, à bandeira, da independência...) e, finalmente, introduzia um momento lúdico-didático pra encerrar a aula. Quem errava as respostas do jogo ouvia um coro sonoro: “Não sabe, não sabe, vai ter que aprender/ orelhas de burro podem aparecer/ Difícil? Parece fácil/ (e, no final, a “parte didática”) mas um dia, mas um dia aprenderá!”. Por este exemplo, procurei mostrar como, quando penso em “fracasso escolar”, não me ocorre, a princípio, a ideia de um “aluno fracassado”.
Faço, então, um esforço para tentar identificar o que teria sido a ideia de fracasso (e de seu complementar, o sucesso, que também me parece um conceito inapropriado para se falar de escola), na minha própria trajetória escolar.
No mesmo semestre das aulas de músicas fracassadas do Colégio Rio Branco (eu ficava tão constrangida nessas aulas que era considerada tímida; logo, do ponto de vista da aula, eu era um fracasso), eu “fazia sucesso” na escola por ser “a menina que desenhava”. Isto, na verdade, não deveria ser chamado de “sucesso escolar”, porque a escola em si pouco pedia que eu desenhasse. Eu produzia, em casa, “revistinhas” de “assunto geral”, que xerocava e vendia no recreio. As revistas chegaram às professoras e, por meio delas, eu era um caso de sucesso escolar por conta de algo que não produzia na escola!
Procurei as revistas nos guardados aqui em casa e vi que, de fato, elas eram boas, para terem sido feitas por uma criança de oito anos. No envelope da página seguinte, incluo a cópia de uma delas. [Aqui no blog, apresento apenas a capa]. Peço que a observem, para que possam entender melhor o que vou narrar na sequência.




























“Revistinha” produzida em 1988. Um episódio de “Sucesso escolar”.



No semestre seguinte, meus pais me mudaram de escola e iniciei a terceira série em uma escola de pedagogia waldorf. Entrei em crise: eu não era mais “a menina que desenhava”, simplesmente porque todos desenhavam.
Havia, de um lado, uma estratégia didático-pedagógica (que ainda não estudei, mas que hoje deduzo) que democratizava a atividade de desenhar e viabilizava aquele quadro. Primeiro, não havia um disciplina específica de desenho. Todos as disciplinas requeriam que o aluno desde antes da alfabetização construísse seu próprio caderno, a princípio com uma sucessão de desenhos, a partir de folhas em branco e sem pauta. Desenhar era, portanto, uma atividade expressiva desenvolvida “naturalmente”.
Segundo, a técnica sugerida para os desenhos (a que era utilizada pelos próprios professores nos desenhos da lousa) estava muito mais de acordo, me parece, com as possibilidades (cognitivas e de coordenação motora) de uma criança de até dez anos. Os desenhos constituíam-se a partir da massa de cores e não por linhas de contorno. O material utilizado tampouco era a caneta a qual eu estava habituada, e sim o giz de cera de abelha (sendo que o dos colegas já estavam um tanto gastos, pois uma caixa durava quase a vida escolar inteira. A paleta era formada de cores tão vivas e "reais" como eu nunca tinha visto - sem contar a possibilidade de se "misturarem as cores", por meio da técnica do desenho e da própria potencialidade das cores primárias).
O resultado já vai se tornando previsível: o meu fracasso escolar! Não que alguém alguma vez tenha feito alguma alusão a isso, pois dentro da produção dos alunos, não havia formas “certas” de se desenhar. Eu me senti fracassada por conta própria porque, em um primeiro momento, além de não contar com a exclusividade do “sucesso” (porque todos desenhavam), precisei passar por um processo de adaptação àquela técnica de desenhar que, para mim, era totalmente nova. E eu sabia, embora não conseguisse formular a questão intelectualmente, que o que eu estava fazendo estava totalmente aquém das possibilidades daquela técnica.
Para que se possa ter uma ideia mais clara do impacto real deste fracasso escolar, selecionei dois desenhos bastante pobres que expressam toda a minha tentativa inicial (fracassada!) de me apoderar da linguagem dos desenhos com giz de cera. Basta compará-los à revistinha e isto deve ficar bem evidente.
Em seguida, coloco desenhos do meu irmão, de quando tinha também seus nove anos. Meu irmão entrou na escola waldorf na mesma época que eu, só que na primeira série e sem nunca ter sido “o menino que desenhava”. Escolhi propositalmente dois desenhos que apresentam elementos semelhantes (casas e cavalos) para que se possa observar o seguinte: a riqueza da expressividade dos desenhos do meu irmão, contraposta à debilidade dos meus desenhos...

Abaixo, meus primeiros desenhos na escola waldorf, retirados dos cadernos de inglês e de história.





Contraponto: abaixo, desenhos do meu irmão com a mesma idade (9 anos), dos cadernos de alemão e de história




Por outro lado, o baque inicial da dificuldade com o desenho foi rapidamente compensado por meu desenvolvimento na flauta doce. A esta altura, eu já estava totalmente livre da lembrança da aula de música do semestre anterior, que só fui retomar agora, revirando o passado escolar durante o estudo na licenciatura.
Com o passar do tempo, fui aprendendo a desenhar com o giz de cera. Aos poucos, também foram introduzidas outras técnicas, sempre de maneira orgânica e “adequada à idade” (notei uma semelhança muito grande neste cuidado com as etapas do desenvolvimento humano, que vivenciei como aluna waldorf, e o proposto por Piaget), de modo que não precisei descartar a habilidade que tinha antes da mudança de escola e ainda pude ingressar e me formar em arquitetura e urbanismo (como primeira graduação).
Porém, com relação ao que é próprio a cada idade e até partindo da comparação que faço hoje entre meus desenhos (mesmo os feitos mais recentemente) e os desenhos do meu irmão feitos naquela época (depois da escola, ele nunca mais desenhou), noto que o desenvolvimento da minha expressividade por meio do desenho pode ter sido prejudicado pelo fato de eu ter tido contato, muito cedo (ainda que nada tenha sido forçado), com materiais e técnicas pouco apropriados para a minha idade. O resultado é o de que, de alguma maneira, algo tivesse sido tolhido na raiz. Por sorte, antes da waldorf, eu nunca havia tido contato com o estudo de música (muito menos com a alfabetização musical), de modo que pude ter um desenvolvimento muito mais livre e expressivo neste campo.
O que apreendo desta vivência pessoal é que, nesta questão do fracasso e do sucesso escolar, que nos remete à avaliação e aos conteúdos, cabe a nós, educadores, eleger aqueles conteúdos que (pensando em “fracasso” e “sucesso”) possibilitem uma maior incidência do “sucesso” e reduzam as chances do “fracasso”, sempre de acordo com cada etapa do desenvolvimento infantil. Considero o percurso praticado pela pedagogia waldorf como um exemplo de estratégia muito bem dimensionada dentro desses parâmetros.

28.8.10

blog de educação musical

Este semestre, estou participando de um estágio de educação musical, vinculado à licenciatura em música, curso que devo concluir este ano. Com outros dois colegas, estou dando aulas de música para uma classe de quarta série em uma escola municipal. Estamos tentando desenvolver as atividades a partir da experiência da educação musical waldorf. Mais detalhes e o registro completo estão sendo divulgados em www.blog-do-estagio.blogspot.com. Apareçam!

5.8.10

lições de jandira



Minha Pedagogia

(Dom Helder Câmara)

Não ensines a teu filho
que as estrelas
não são do tamanho que parecem ter:
maiores do que a terra!
São lâmpadas
que os anjos acendem todos os dias
assim que o sol
começa a escurecer...
Não diga a teu filho
que as asas dos anjos
só existem na imaginação.
Já vi meu anjo em sonho
e posso jurar
que ele tem asas claras
que até parecem feitas de luz.
Não encha a cabeça de teu filho
ensinando-lhe hipóteses precárias
que amanhã de nada servirão.
Povoa de beleza
o olhar inocente de teu filho.
Dá-lhe uma provisão de bondade
que chegue para a marcha da vida.
Infunde-lhe na alma
o amor de Deus
- e tudo o mais,
por acréscimo,
ele terá.







Encontrei este poema (ou oração?) de Dom Helder Câmara por acaso, agora na época do meu desligamento da obra de Jandira, que vai acontecer no próximo final de semana. Trabalhei lá como arquiteta da assessoria técnica USINA desde abril deste ano.

As 128 casas que estão sendo construídas, em regime de cooperativa-empreiteira durante a semana e em mutirão aos sábados e domingos, compõem a Comuna Urbana Dom Helder Câmara (MST). É um trabalho em que as possibilidades do arquiteto como educador são nítidas (apesar da neblina das montanhas da região). O texto de Dom Helder também tem muitíssimo a ver com o potencial humano encontrado na obra que leva seu nome.

3.2.10

processo produtivo em arquitetura e música - algumas associações por oposição

Entende-se que um percurso analítico dos processos de produção seja uma demanda a princípio muito mais vinculada à Arquitetura do que à música. A obra arquitetônica possui uma expressão muito mais concreta e permanente, em comparação à obra musical. O produto final da arquitetura é evidentemente “mais material” do que aquele que mesmo a orquestra mais completa ou os equipamentos sonoros mais potentes são capazes de realizar. Os valores utilitários dos produtos também são rigorosamente distintos. Estes fatores, de materialidade, permanência e utilidade, incidem diretamente na forma como os processos de produção estão estruturados, tanto em uma arte, quanto em outra.
No caso da música, chama atenção como, ao contrário do que acontece com a arquitetura, praticamente todos os envolvidos na produção da obra de arte são músicos. O compositor, que idealiza a obra – e que pode muito facilmente ser associado ao arquiteto – é músico. Igualmente o é o regente – o primeiro intérprete da obra musical, aquele que prepara a obra para a execução por meio dos ensaios. O regente é, por um lado, como o arquiteto que estende seu trabalho para além da prancheta, ao preparar o cronograma e o planejamento da obra e o projeto executivo. Ao ensaiar uma orquestra, o regente compatibiliza os projetos de todas os naipes (grupos) de instrumentos – e o ensaio é como o próprio projeto executivo, que sistematiza e detalha as informações para o momento da execução. Por marcar presença na linha de frente conduzindo a orquestra durante toda a execução, o regente assume também o papel do mestre de obras.
É simples enxergar como, no passo seguinte, os músicos da orquestra atuam como os peões – pedreiros, eletricistas, encanadores, pintores... – aqueles que de fato executam a obra, por meio de sua própria força e do domínio de seus instrumentos de trabalho. Enfim, tomando-se a orquestra como um arquétipo do Canteiro de Obras da produção musical (erudita), chega-se à constatação feita no início, de que, neste canteiro, todos são músicos.
Este ponto evidencia o quanto o arquiteto encontra-se afastado das fases propriamente executivas da produção da arquitetura. Isto talvez explique um pouco por que os estudos uma análise dos processos produtivos pareça muito mais necessária aos arquitetos do que aos músicos. Por outro lado, pode-se levantar a questão do quanto resta de criação ao músico da orquestra, independentemente do elemento virtuosístico (técnico) que possa caracterizar o seu trabalho. Um outro aspecto considerável é o fato de que, no processo da composição musical, a atuação do músico é solitária – o oposto do que cada vez mais acontece no projeto de arquitetura, processo que envolve às vezes não só uma equipe, mas mais de uma equipe de profissionais, o que torna o processo de produção (e não a linguagem em si) muito mais complexo.
No caso do músico, deve-se lembrar que é comum ter o compositor também na posição de regente ou de executor, ele mesmo, da própria composição. Ao participar da produção final da obra projetada, o músico tem oportunidade de conhecer diretamente os instrumentos de que dispõe para criar e até de analisar. (O musicólogo, analista musical, geralmente também tem formação prática como músico em algum nível). Em um processo desses, a realimentação entre o ato de criação, os atos envolvidos na produção e o produto pronto acontecem de modo praticamente imediato. Os arquitetos estão muito distantes de desfrutar desse privilégio.
Dentre o que se pode concluir dessas associações, está o fato de que os músicos, por participarem ativamente do processo produtivo, encontram um nível menor de tensão e de contradições no decorrer deste processo, além de terem uma oportunidade concreta de se aprofundar nos processos formadores da linguagem musical. Desvendar o que tudo isto pode significar é o desafio proposto para trabalhos futuros, ao se refletir a respeito de uma Análise dos processos produtivos em música. Aos arquitetos, são lançados dados que podem alimentar um debate sobre o que seria e como poderia acontecer uma aproximação entre o ato de projetar e o de executar, e por meio de que processos isto seria possível. Avançar um estudo nessa direção seria buscar a reinvenção da própria atividade no exercício da profissão.

29.7.09

caminhos para pesquisar música-e-arquitetura

Conclusões e continuidades[1]

 

 

Existem relações de criação e análise entre Música e Arquitetura, tanto intencionais e diretas (como no caso da Casa Stretto) como não intencionais (como nos casos do Copan e da Praça Roosevelt).

A sistematização analítica em Música pode vir a contribuir para o desenvolvimento de uma disciplina analítica da Arquitetura e do Urbanismo.

 Espero que o trabalho tenha funcionado para compor um esboço da relação Música-Arquitetura construída com bases sólidas a partir do potencial do elemento stretto.

 

A partir daqui, para encontrar novos caminhos para a pesquisa, é desejável aprofundar os conceitos e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de estudo da relação entre Arquitetura e Música – ou seja, continuar desenvolvendo a idéia de sistema considerando novos pivôs na relação das duas artes, a exemplo do stretto.

Um ponto de partida possível – e bastante focado – para uma ampliação e continuidade da pesquisa das relações entre Música e Arquitetura seria a relação de criação e análise entre circulação vertical em arquitetura e contraponto em música, um pouco exploradas neste trabalho.

Um percurso para a investigação poderia ser algo bastante semelhante ao adotado nesta dissertação: começar novamente pela análise de uma obra musical contrapontística contemporânea, acompanhada de exercícios de criação em contraponto. A idéia seria estudar e apresentar o conceito musical de contraponto (que tem relação direta com o stretto, já que o stretto só pode ocorrer em um contexto contrapontístico).

Paralelamente, aconteceria a análise de uma obra arquitetônica cuja circulação vertical fosse bastante expressiva. A escolha desta obra viria após um processo de estudo analítico de um certo volume de obras da arquitetura paulistana, preferencialmente – MASP, Sala São Paulo (a desvantagem aqui é a eventual confusão que pode surgir com o programa arquitetônico voltado à música), Memorial da America Latina. Também em paralelo, seria desenvolvido um projeto que teria como tema a circulação vertical.

 

Uma outra proposta apontaria para um olhar um tanto mais geral e amplo.

Tomando a criação em Música e admitindo a existência de leis naturais (da física do som), a partir das quais a composição musical estrutura um ou mais sistemas (por exemplo, o sistema tonal diatônico e seus desdobramentos), pergunto-me sobre o que poderia ser a Série Harmônica da Arquitetura, as leis naturais que regem a criação no caso do projeto do edifício. Procedendo assim, cheguei à própria lei da gravidade, aquela que se aplica a tudo o que se sustenta sobre a terra.

Continuando o percurso, ao visualizar a imagem dos diagramas de força dos estudos de estrutura[2], me pus a pensar se o sistema tonal diatônico em Arquitetura não seria a estrutura porticada. O que é o pórtico: pilares unidos por engastes a vigas em um único plano. Tomando dois pórticos, já é possível “harmonizá-los” usando uma laje, no plano horizontal – ou ainda, desempenhando uma função estrutural distinta, os vedos, no plano vertical. Assim, temos pórticos harmonizados por panos de lajes e vedos (sendo lajes e vedos, acordes com funções harmônicas distintas entre si).

Os diagramas estruturais seriam, literalmente, diagramas de forças. E os vínculos – ou a união entre uma “tonalidade” e outra (pilares, vigas, laje...), os vínculos, que resolvem a tensão, seriam as próprias cadências tonais. Assim torna-se possível estudar uma harmonia funcional – tonal – em arquitetura, já desde o partido estrutural, bem como o que  Bispo propõe na escala do Urbanismo – tensão e relaxamento no tecido urbano.

O sistema tonal diatônico nada mais é do que um sistema estrutural. Do ponto de vista meramente construtivo, sem entrar portanto no reino da estética e da própria arte, Arquitetura e Música podem ser estudados como sistemas estruturais.

Se for tão certo que a série harmônica está para a música como a lei da gravidade está para a arquitetura, e que, então, a tonalidade está para a música como o pórtico para a arquitetura, (sendo tonalidade e pórtico como processos de interpretação das leis naturais de som e matéria no tempo e no espaço), o passo seguinte é tentar imaginar o que seria a ampliação do sistema tonal em arquitetura. Uma pergunta seria: quais as possibilidades todas e de máxima coerência[3] para vencer a gravidade? Muitas! Por mais que o pórtico ainda impere, por “praticidade” ou “hábito”.

A abóboda, por exemplo, que tanto me atrai; as experiências de Gaudi, os arcos, que outro dia vi serem chamados em uma matéria na internet de “arquitetura medieval”[4], são sistemas estruturais coerentes para vencer a gravidade a partir de esforços de compressão, fazendo uso de pedra, da argila... os materiais que melhor trabalhem a compressão. As tenso-estruturas, com cabos e membranas, seriam outra forma de vencer a gravidade. Enfim, uma proposta de se pensar a arquitetura do edifício como apropriação espacial que se conquista com a vitória da matéria sobre a gravidade.

Considerando esse ponto de partida “nu”, e todo o resto como acessório, quantas não são as possibilidades?

Tenho plena convicção de que precisamos fazer de tudo para romper o pórtico como ponto de partida da concepção estrutural. Não abolir, mas, de fato, expandir esse sistema. Há profissionais e pesquisadores que buscam essa linha também dentro da arquitetura, mesmo sem se relacionar diretamente com música, a exemplo do arquiteto Vitor Lotufo.

 

A partir de Lotufo, é importante ressaltar como o sistema construtivo adotado influi diretamente na organização do canteiro de obras. (Pensando em como ocorre com a Música, esse também seria um aspecto de fácil observação, ao se estabelecer o palco, principalmente no contexto dos ensaios, como o canteiro de obras musicais – e em como o palco das obras tonais pode diferir do palco da Música Contemporânea, por exemplo). Assim, um desdobramento possível para esta pesquisa em um tempo mais adiante seria o de analisar o vínculo existente entre o sistema construtivo adotado em projeto e o canteiro de obras de Arquitetura – a princípio, as implicações mais diretas entre criação e construção, mas sem perder de vista as questões sociais e políticas ligadas à industrialização. Mantendo a busca de relações entre Música e Arquitetura, seria interessante discutir, nos dois casos, o quanto resta de espaço para a criação no canteiro de obras – o quanto e como o operário (em Música, o músico de orquestra ou coro) participa da criação de uma obra, além de ser um mero executor. Essa linha de raciocínio seria útil principalmente no caso da Arquitetura, já que, em Música, é evidente que o executor é um artista – enquanto que, em Arquitetura, a Arte termina geralmente no projeto, no trabalho do próprio arquiteto, que é uma etapa bastante anterior à da obra acabada – Na verdade, como lembrou a professora Anália Amorim, a obra acabada retoma o estado de Arte. Desse modo, o canteiro acaba sendo o espaço e o momento em que a Arquitetura não é considerada Arte.

 

Um outro desdobramento para a investigação, poderia ser o didático pedagógico – abordar diretamente os processos criativos e construtivos que não apenas partem  de  um sistema, mas que podem transformá-lo e adequá-lo  incessantemente como instrumento de cognição de leis que antecedem às da própria criação. Esse tipo de procedimento pode ser muito útil ao ensino introdutório na graduação, de Fundamentos de Projeto. Alessandra Campanna, da Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma, relaciona Música e Arquitetura sob este pretexto. No artigo “Music and Architecture: A Cross between Inspiration and Method”, publicado em julho de 2009 – no qual, inclusive, o exemplo da Casa Stretto é um dos três estudos de casos – o objetivo didático é o de, justamente, “apresentar aos estudantes do primeiro ano do curso alguns métodos para os estágios iniciais de projeto e sua aplicabilidade para qualquer tipo de trabalho criativo”. (Campanna 2009: 257)

Para que tais pensamentos investigativos surjam, torna-se necessário encorajar o entendimento no sentido da imaginação proposta por Schuback, que diz:

“O exercício do entendimento, a fundamentação de toda ciência depende da imaginação em momentos decisivos. O traço mais comum que se pode encontrar entre a ciência matemática e a ciência histórica não é tanto o ideal de exatidão, mas a imaginação de um mundo exato, de um mundo dos fatos, capaz de atravessar incólume todo o oscilar de interpretações e prescindir de todo testemunho. Nesse sentido, a pretensão de que o entendimento nada possui de imaginação talvez seja a única grande fraqueza do entendimento. E como toda fraqueza, quer sempre esconder-se, a ciência, com seu ideal de exatidão, finge não ser imaginação a imaginação que deveras sustenta”.  (Schuback 1999: 8-9)

 

 Para mim, tal esforço imaginativo é uma questão de sobrevivência, diante da tarefa desta pesquisa.



[1]  Ensaio para o capítulo Conclusões e continuidades da dissertação (etapa de qualificação). Em partes baseado na postagem anterior aqui no blog. 

[2] Pelo menos da maneira como ainda estiveram presentes na minha formação como arquiteta, de 1999 a 2004.

[3] Como a coerência proposta por Anton Webern para a música.

[4] “Cambridge apresenta casa com emissão zero de carbono - Universidade se inspirou em sistema construtivo medieval do Mediterrâneo para o desenvolvimento do protótipo em Staplehurst” (grifo meu). in. http://www.piniweb.com.br/construcao/arquitetura/cambridge-apresenta-casa-com-emissao-zero-de-carbono-126755-1.asp (20/Fevereiro/2009).

 

15.7.09

Leis naturais e arte

Diante da dificuldade em conceituar o que seria o “natural” na música até chegar a Béla Bartók, (já um pouco aliviada com o que encontrei em Webern), veio então a seguinte pergunta: Qual o “problema” do som ter uma origem “natural” (a série harmônica) que é exposta, ainda que parcialmente, em um sistema (o sistema tonal diatônico)? Seria uma tentativa de compreender a natureza? Fazer música como forma de estudo da natureza? O estudo como arte, todo produto humano como arte (de como a ciência separou-se da arte, a ponto de não de compreender estudo como arte – e mesmo o lugar da imaginação, como proposto pela Schuback:

"O exercício do entendimento, a fundamentação de toda ciência depende da imaginação em momentos decisivos. O traço mais comum que se pode encontrar entre a ciência matemática e a ciência histórica não é tanto o ideal de exatidão, mas a imaginação de um mundo exato, de um mundo dos fatos, capaz de atravessar incólume todo o oscilar de interpretações e prescindir de todo testemunho. Nesse sentido, a pretensão de que o entendimento nada possui de imaginação talvez seja a única grande fraqueza do entendimento. E como toda fraqueza, quer sempre esconder-se, a ciência, com seu ideal de exatidão, finge não ser imaginação a imaginação que deveras sustenta". In. SCHUBACK, Márcia Sá Cavalcante. A doutrina dos sons de Goethe a caminho da nova música de Webern. UFRJ Ed., RJ: 1999. pp8-9.

E por acaso não há na arquitetura um “sistema tonal diatônico”? O que seria a série harmônica para a arquitetura, suas tensões e relaxamentos? Pois a pergunta já responde. Não é de se estranhar que existam leis regendo a música! Que dizer da lei da gravidade para a arquitetura e tudo o que se sustenta sobre a terra? Os diagramas de força dos estudos de estrutura? Pois então... o sistema tonal diatônico em arquitetura não seria a estrutura porticada? O que é o pórtico: pilares no eixo vertical unidos (ou separados?) por vigas no eixo horizontal. Tomando dois pórticos, já é possível “harmonizá-los” usando uma laje. Assim, pórticos harmonizados por panos de laje.

Os diagramas estruturais são, literalmente, diagramas de forças! E os vínculos – ou a união entre uma “tonalidade” e outra (pilares, vigas, laje)... os vínculos, que resolvem a tensão, são as cadências tonais... não? Assim é possível estudar uma harmonia funcional – tonal – em arquitetura, já desde o partido estrutural. Assim como Bispo propõe na escala do Urbanismo... (tensão e relaxamento no tecido urbano).

Como a dissertação é na FAU, para arquitetos, não preciso explicar o beabá dos diagramas estruturais (embora precise estudá-los!); mas, em um trabalho mais completo, que realmente busque reunir músicos e arquitetos (se reunir “Música” e “Arquitetura” for algo muito pretensioso, que se reúnam músicos e arquitetos...) ou mesmo neste, mostrar alguns diagramas “diatônicos” de tensão aos músicos não seria mal, até para que os arquitetos visualizem que, de fato, o sistema tonal diatônico nada mais é do que um sistema estrutural. Do ponto de vista meramente estrutural, sem entrar portanto no reino da estética e da própria arte, Arquitetura e Música podem ser vistos, a princípio ou por um certo olhar, como sistemas estruturais.

Se é tão certo que, se a série harmônica está para a música como a lei da gravidade está para a arquitetura, e que, então, a tonalidade está para a música como o pórtico para a arquitetura, (sendo tonalidade e pórtico como processos de interpretação das leis naturais de som e matéria no tempo e no espaço), o passo seguinte é tentar imaginar o que seria a ampliação do sistema tonal em arquitetura. Uma pergunta seria: quais as possibilidades todas e de coerência máxima (Webern) para vencer a gravidade? Muitas! Por mais que o pórtico ainda impere! (Por “praticidade” ou “hábito”...)

A abóboda, por exemplo, que tanto me atrai; as experiências de Gaudi, os arcos, que outro dia vi serem chamados em uma daquelas notícias de internet de “arquitetura medieval”, são sistemas estruturais coerentes para vencer a gravidade a partir de esforços de compressão. Assim, utilizar nos arcos a pedra, o bloco, o material que melhor trabalhe a compressão. As tenso-estruturas, com cabos e membranas, seriam outra forma de vencer a gravidade. Pensar a arquitetura do edifício como apropriação espacial e vitória da matéria sobre a gravidade... Considerando esse ponto de partida “nu”, e todo o resto como acessório, quantas não são as possibilidades? (Um outro caminho, da histeria, é partir de externalidades e aberrações formalistas. Enfim... e que não vence gravidade nenhuma, fugindo de toda a coerência tão desejada).

Tenho plena convicção de que precisamos fazer de tudo para romper o pórtico como ponto de partida da concepção estrutural. Não abolir, mas expandir de fato esse sistema. Será possível que a conclusão da pesquisa possa conter algo nesse sentido? (E há autores e pesquisadores que buscam essa linha também dentro da arquitetura, mesmo sem se relacionar diretamente com música. Vitor Lotufo, por exemplo).

Mas para agora, para a dissertação, o que importa isso tudo? Importa que o tipo de imagens que ajudarão a levar os arquitetos a uma compreensão de música nem de longe deve ser de esquemas de partitura, que apenas tendem a paralisar os arquitetos, com as crenças limitadoras próprias da rigidez de um ser humano já maduro. As imagens, ainda que sejam evocadas exclusivamente por palavras (me incomoda pensar em um texto que dependa de um CD para ser lido e compreendido) devem encorajar o entendimento, no sentido da tal “imaginação” proposta pela Schuback. Para mim, também se trata de uma questão de sobrevivência diante da tarefa desta pesquisa.

1.1.09

planos para 2009

Em breve, a retomada da pesquisa do mestrado deve me ajudar a completar e atualizar a publicação neste blog.

27.10.08

princípios gerais para o fazer científico

A Política (que independe de convicções partidárias) e a Espiritualidade (que independe das religiões; e em ambos os casos o lembrete poderia ser desnecessário) estão por toda parte, de tal modo que, ignorar ou suprimir tanto um quanto outro "lado" (porque às vezes parece ainda se trata de uma oposição) é igualmente impossível e reacionário.

Só podemos avançar, nós, a humanidade, à medida em que Política e Espiritualidade caminhem juntas, de maneira consciente e em franco equilíbrio. Enquanto a Política não for concebida e praticada como a expressão do convívio de seres espirituais na Terra e a Espiritualidade continuar sendo algo predominantemente restrito ao âmbito do progresso individual e extra-terreno, creio que nem mesmo os estudos -tanto políticos como espirituais- têm perspectiva de se renovar.

A estagnação está para ser superada alguma hora; diante da inteligência humana e da generosidade do Cosmo, esse movimento é inevitável. Mas, por que tanta relutância ao engajamento já, agora, coletiva e conscientemente, neste processo de espiritualização da Política (e do conhecimento acadêmico atual) e de uma politização da Espiritualidade (para além de uma ação "social" e filantrópica?)

Sobre a necessidade de uma consciência da Política e da Espiritualidade na pesquisa e na produção do conhecimento - do caderninho, 25/10/2008.


23.9.08

entrevista

Hoje aconteceu um fato interessante. Participei como entrevistada do programa "Terapia e Música", produzido pelo canal tvcinec e transmitido ao vivo pela internet. O tema o programa foi a relação de arquitetura e música. Foi um bom treino para tornar o conteúdo apresentável em uma situação "de improviso" (ou, pelo menos, sem tempo para maiores planejamentos).

O principal cuidado foi o de deixar claro que relacionar duas disciplinas ou artes, como no caso de arquitetura e música, não se trata de estabelecer traduções literais, e sim analogias muitas vezes um tanto sutis.


3.9.08

música na arquitetura da casa anderson

Coisas que pensei conversando com o arquiteto Michel Chaui do Vale sobre o projeto da Casa Anderson (www.casa-anderson.blogspot.com)

Estávamos projetando o telhado. Existe alguma resistência em desenhar o telhado de duas águas que a proprietária imaginou. Eu tinha pensado, outro dia, em propor um jogo de volumes planos muito ligeiramente inclinado (o suficiente para deixar descer a água), de diferentes alturas, que não seria nem o telhado corriqueiro, nem a laje plana já descartada pela cliente. Então Michel falou, até citando Lina Bo Bardi, do incômodo do "quase" - o quase plano ou quase inclinado, no caso. 

A música do início do século XX, pensei, ao formular uma proposta de expansão do tonalismo, estava lidando o tempo todo com este "quase". Enxerguei o telhado de duas águas como um material "tonal" e o quase inclinado como uma dissonância, justamente o intervalo não grande o suficiente para alcançar a consonância. 

Webern ou Berg, não tenho agora de ouvido qual dos dois, trabalhou dentro do desenvolvimento do dodecafonismo o intervalo da terça, seja na composição da série como harmonicamente mesmo. Me lembrei disso quando me peguei sugerindo ao Michel que trabalhasse, sim, com as águas que a cliente pede, encarando a questão central, então, do como.

Sem contar que a planta da Casa Anderson apresenta uma simetria nem tão implícita assim - e nem escancarada, exatamente como nas composições de Webern. A tese de doutorado da arquiteta Jane Duduch dá uma idéia de como Webern trabalhava a simetria. Jane transpõe a escala cromática dodecafônica de tons-sons para uma escala de tons-cores, produzindo a partir da Op. 27 de Webern uma partitura de cores e tamanhos na qual fica evidente o uso nada simplório da simetria pelo compositor. 

Curioso neste projeto também constatar a insuficiência da planta na compreensão volumétrica e espacial exigida pela arquitetura. Ao ter as plantas de térreo e superior nas mãos, a cliente num primeiro momento descartou o prosseguimento do trabalho do arquiteto e contratou os projetos complementares sem dar nenhuma direcão à conclusão do anteprojeto. Pensou ter nas mãos a partitura completa de uma sinfonia, quando tinha, se muito, a melodia ou mesmo um tema - saiu encomendando a harmonia sem orquestração por aí... Em música, essa fragmentação pode soar absurda, mas incrível como em arquitetura ainda se tem um longo caminho a percorrer no sentido da valorização da unidade, do conceito.


11.7.08

por uma nova invenção

O que facilitaria imenso a nossa vida seria internalizar, de fato, isso do que o juízo até permite um entendimento, mas que acabamos não levando para a prática: o que está aí não se formou da noite para o dia.

Precisamos fazer com que isto viva em nós - o que, pelo método da observação, pode ser até simples: olhando com atenção para um mapa da cidade, vemos grandes estruturas compactas cravadas no tecido urbano; um aeroporto, por exemplo. Aquilo veio de algum lugar, em determinada data e atuou diretamente na configuração de todo um entorno - e não só: os reflexos prolongam-se até os confins! (Podemos reduzir ou ampliar a escala do objeto sem prejuízos ao método - isto seria, pelo contrário, recomendado).

Talvez o encurtamento progressivo dos períodos entre uma grande mudança estrutural e outra - a ponto de não sabermos mais reconhecê-las com clareza - contribua para um empastelamento da nossa percepção da História, como se a História tivesse "parado" diante dessas transformações - de território, sociais etc. - e se, agora, vivêssemos num jorro, num fluxo sem forma. De algum jeito, mesmo sabendo que não (ou, quem sabe, já um tanto desconfiados do contrário), é como se já tivéssemos atingido e vivêssemos no FUTURO. O futuro, daqui para frente, torna-se um mero aperfeiçoamento -cruel!- de tudo o que foi inventado até hoje. Assim, a invenção foi retirada da "vida comum".

Qualquer pessoa consciente e comprometida com o potencial humano sente-se mutilada diante de tamanha impossibilidade. Por mais que os fatores pareçam nos empurrar para longe da lucidez e de um engajamento, é nítido como o mundo abriga uma série de pessoas "dispostas".

Nesse momento é que precisamos, como nunca, de alguma meditação sobre a afirmação do início - já considerando a possibilidade do engajamento. Por mais que as transformações sejam muitas, aceleradas e profundas, não vamos conseguir trazer a invenção de volta à vida comum se quisermos fazer tudo da noite para o dia. O tempo de uma vida é curto e, no meio da banalização geral, não deve deixar espaço para nomes. O esforço pode ter outras recompensas, talvez invisíveis sob a luz da desconexão.

É este o espírito que deve permear o trabalho do educador, seja como pais ou professores, para com a juventude.

(texto do caderno - reflexões da febre de abril)

20.6.08

do amor

Quando gostamos muito de algo (ou até de alguém), pode parecer impossível falar dessa coisa, ao mesmo tempo em que é impossível não falar dela. Então sai algo um quê desajeitado e quase que "injustificável" mesmo. Porque do amor que sentimos pela coisa, ao mesmo tempo em que queremos revelá-la aos outros, é tanto o nosso amor que parece impossível que os outros já não a compreendam.

Se alguém me perguntar de "coisas importantes" (que é como eu chamo estas profundamente amadas), é provável que, para não "derreter", eu tenha que simplificar tamanho o amor, até caber em uma explicação como a explicação que existe para todas as coisas que existem. Então pode ser também que eu tente desamar um pouco, para não ter que passar pelo constrangimento dessa simplificação; e as explicações ganham uma espécie de objetividade que vem, no fim, dessa "queda de vida" (a vida que vai embora quando se desama, ainda que "funcionalmente").

"Maturidade" é quando começamos a conseguir falar do que amamos como se fosse algo objetivo sem desamar. Maturidade é plenitude. E vou aprendendo para ensinar...

(do caderninho, 11 de março de 2008).

6.6.08

um epílogo para a graduação

O que é arquitetura?

A FAU nos ensina que é impossível o conteúdo caber todo em uma única definição.

Arquitetura são muitas coisas, ou, como gostamos de dizer, “tudo é arquitetura”; tudo o que podemos pensar, elaborar criticamente.

Como arquitetos, temos alguns jeitos (ferramentas, instrumentos, linguagem) muito próprios de trabalhar esse tudo. Usamos o desenho, nosso instrumento _e aí estão a habilidade manual, a lapiseira, os sentimentos e os sentidos_ para compreender o espaço, nosso objeto final, com tudo o que ele contém e pode conter. No espaço, estão a matéria construída e o vazio, estão as pessoas e suas relações com as coisas e pessoas. É isso que nos encanta. Isso é o que podemos (ou até que devemos) fazer na FAU. Foi isso o que nós tentamos fazer e fizemos aqui, nos últimos cinco, seis, sete, oito anos.

Durante esse tempo, a FAU foi, para nós, casa e mãe. Aqui adotamos os irmão que nos faltavam, fomos acolhidos e orientados. E foi uma acolhida com qualidades talvez únicas. Se de um lado a grade curricular e a carga horária, entre outros sintomas de uma estrutura acadêmica mais engastada do que precisaria, muitas vezes atrapalharam nossos projetos pessoais, nunca tivemos tanta liberdade quanto aqui dentro. A liberdade de olhar para as coisas todas como arquiteturas, para muito além do senso comum. Essa liberdade de pensar, dizer, criar, que faz tantos adiarem a partida.

Agora estamos indo e não nos quer parecer ser tão impossível ser livre. Queremos lutar. Queremos continuar nossos projetos, levar adiante as dúvidas que nos instigaram aqui dentro; partir daqui para algum lugar, sim; mas a partir daqui, sem abandonar o que já fizemos, vivemos, pensamos, as amizades que construímos.

Queremos liberdade para fazer arquitetura de tudo que valha a pena; sobreviver para viver; para, quem sabe, criar um lugar em que a vida seja inteira vida, como foi quase sempre aqui na FAU.

E que esse lugar possa ser a cidade.


(discurso proferido em 07 de abril de 2005, durante cerimônia de colação de grau no auditório da fauusp)

1.6.08

determinações do arquiteto


-um epílogo para o tfg-

O objeto de estudo do arquiteto é a cidade, base para todo o restante. O arquiteto pensa, desenha, sonha a cidade.
Independente do arquiteto, a cidade acontece, existe. Seu crescimento e o projeto operam em lógicas distintas.
A lógica do existente é o agora, despreza as relações, o que existiu, o que existe, as condições de existência; enfim, a própria lógica.
O arquiteto não defende o passado estático, múmia. Assistir, no entanto, à velocidade com que se passa a borracha no existente, um produto material construído por muitos, é assustador. Ainda mais quando se apaga injustificadamente uma construção, uma história, com outra, como muito se faz.
Isso confunde.
Perdemos referências a todo o momento; somos desorientados, enquadrados pela “lógica”, pelo existente que daqui a bem pouco não existirá.
Justifica-se o epílogo “dramatizado”: as fileiras de trilhos que tomam o Pari na foto de 2002, no começo de 2004 não estavam mais lá. Tanto trilhos como vagões foram removidos para fundição. Uma das pontas do terreno servia ao descarregamento de batatas. Em dezembro, em vez de batata, um estacionamento para automóveis. Uma semana depois, a construção de um muro ao longo da linha férrea já estava quase no final, tapando o trem, dividindo, obstruindo o espaço.

O projeto urge. E comunicá-lo também.
Se as coisas parecem muito maiores que nós, precisamos nos reunir.

31.5.08

escada e contraponto














Estudo para escada no Pátio do Pari durante o TFG.


A seguir, um rápido registro de um ponto de partida que deve ser desenvolvido mais adiante.

Em 2005, quando comecei a estudar estruturação musical pela primeira vez na vida, a "relação construtiva" de arquitetura e música ganhou corpo. Percebi que os exercícios de harmonia e contraponto (2006) aproximavam-se muito dos processos de projeto de arquitetura.

Um ponto de partida para estudo deve ser a relação do contraponto com o projeto de circulação vertical (escadas, rampas e até elevadores). O projeto desse tipo de circulação parece, de início, "inofensivo", mas exige uma complexidade "maior" do que o simples desenho de um único pavimento.

Enfim, lanço aqui apenas uma proposta de caminho de investigação, considerando a possibilidade de se identificarem variáveis análogas no projeto da circulação vertical e no aspecto contrapontístico na composição de uma peça musical.

8.5.08

Como usar o índice - um glossário

Estou tentando me entender com o índice de assuntos do blog. Os "marcadores" (nome oficial) listados no índice no momento ainda não estão um pouco "dispersos".
Enquanto se projeta (ou compõe?) a estrutura, abri esta postagem para aos poucos fazer uma espécie de glossário dos termos ("marcadores") do índice. Espero que isto facilite a compreensão do que cada coisa quer dizer. A idéia é manter esta lista sempre atualizada.
Importante: principalmente para os projetos apresentados em mais de um capítulo, é bom não esquecer de começar a ler de baixo para cima.

2002 - 2008
Recurso para datar a elaboração de cada trabalho publicado. Também possibilita localizar a produção reunida de cada ano.

AU
arquitetura e urbanismo

bibliografia
para postagens que contenham indicações bibliográficas (por enquanto, este item deve vir acompanhado de atributos "AU", "musarq" etc.).

criação e construção
expressão que surgiu em 2002, durante a elaboração do projeto da faculdade de arquitetura (mais tarde, "escola de criação e construção") no pátio do pari, quando eu tentava não pensar pelo caminho de um servilismo da arte ou da engenharia à esse algo maior que seria a arquitetura. "tudo o que existe é produto de criação e construção".

educação
substitui o termo "ensino", que originalmente compunha o título deste blog. Ainda não sei se crio marcadores específicos para "educação em AU", "educação em música" etc. (Aí sim também em um sentido de "ensino"). Enquanto não decido o que é melhor, o que leva o nome "educação" pode vir acompanhado de um outro termo (ou mesmo mais de um). por enquanto a lista tem: "AU", "criação e construção" e "fundamentos de projeto"; em breve, espero acrescentar pelo menos "música" e "musarq".

escada e contraponto
para toda a investigação do parentesco entre o exercício do contraponto em música e o projeto de circulações verticais em arquitetura.

fau graduação
para tudo o que estiver à graduação na fau, seja ao período em que estive lá como estudante (1999-2005), seja a reflexões relacionadas ao curso de graduação independente de minha passagem por lá. a data que acompanha os maarcadores ao final do texto ajuda a identificar do que se trata.
(Obs. ver também em "jornal 1:1000")

filosofia da educação
para textos que não falem de um ensino "de algo" ou que abordem o ensino "de alguma coisa" de maneira mais ampla, não apenas por metodologia e didática, por exemplo, mas no contexto de uma reflexão filosófica sobre educação.

fundamentos de projeto
refere-se à questão de "por onde e como começar a ensinar arquitetura". não sei se vou manter esse termo aqui no blog. a coisa é que se trata de um termo "oficialmente" reconhecido; às vezes é bom ter alguns. (minha vontade é de pensar em "ensino de criação e construção" para, a partir daí, aí sim pensar em "ensino de fundamentos de projeto").

interdisciplinaridade
eis outro termo reconhecido "oficialmente". desde 2004, no segundo projeto no pátio do pari, comecei a usar um outro, "reunião de idéias", que procurava expressar a idéia de como não só as disciplinas, mas também coisas, lugares, pessoas, pensamentos se relacionam.
não me parece um problema ter um termo para significar a relação entre disciplinas; o que incomoda é o fato dessa relação acontecer quase sempre "de fora para dentro" em vez de buscar o reconhecimento do conjunto de características e potenciais presentes num objeto, para que este objeto seja, então, estudado por meios apropriados à compreensão do mesmo. espero que a produção do conhecimento científico supere essa tendência ainda vigente, da excessiva adaptação do objeto aos procedimentos cognitivos pré-estabelecidos, e que, aos poucos, se aproxime de um fazer científico criativo - e, por que não, artístico.

jornal 1:1000
para textos etc. que tenham sido publicados no jornal dos estudantes da fau, o 1:1000. para efeito de busca, estão implícitos aqui os marcadores "fau graduação" e "vita activa" (ver mais adiante).

musarq
termo que praticamente originou e dá nome o blog - que poderia ser "só" sobre isso. para tudo o que contiver alguma traço da relação entre arquitetura e música.

navegação do blog
indica postagens como esta, com instruções que clareiem o jeito que encontro de usar os recursos do blog.

pedagogia waldorf
reflexões gerais sobre esta proposta educacional (enquanto a academia insiste em ignorá-la).

projetos
marca todos os projetos. para informações complementares, ver o ano, nome do projeto e características (por enquanto, apenas "fau graduação". em breve: "fau mestrado").

reunião de idéias
ainda vou estudar como e se este termo se aplica. (vide "interdisciplinaridade").

TFG Pari
para o que tenha relação ou mencione o projeto da escola de criação e construção, de 2004 (Trabalho Final de Graduação, orientado pelo professor Antonio Carlos Barossi).

vita activa
referência à vita activa exposta e defendida por Hannah Arendt em A Condição Humana. Este livro me foi apresentado em 2007 pelo professor José Sérgio Fonseca de Carvalho, da Faculdade de Educação da USP, durante disciplina obrigatória do curso de licenciatura em música. Nele, Arendt coloca a ação como o que nos faz "mais humanos", nesse sentido em oposição ao labor (atividades necessárias à sobrevivência, pertencentes ao âmbito privado) que nos aproximaria dos animais. A ação é o que constitui a história; só pode ser realizada publicamente e na companhia de outros.
Aqui no blog, este marcador corresponderá às manifestações relativas à essa vita activa, desde reflexões até registros de tentativas e fatos ocorridos no âmbito da construção humana coletiva e pública.
(Obs. ver também em "jornal 1:1000")

óperação urbana
para o que tenha relação ou mencione o projeto óperação urbana, de 2003.

3.5.08

adendo: para que servem as salas no programa da escola?

O texto a seguir foi escrito durante a elaboração do programa da escola de criação e construção no Pari em 2004. Como o material para a publicação do TFG teve que ser muito recortado (principalmente para viabilizar uma apresentação conjunta do grupo que se reuniu em torno do Pari), disponibilizo aqui a “fonte” com todo o percurso da escola bem mais detalhado. Mesmo não sendo um texto “didático”, porque foi feito livremente para eu mesma me ajudar a organizar as idéias, ele deve clarear uma visão geral do trabalho a partir de reflexões sobre a criação simultânea de um espaço e de um programa de ensino.

Vale chamar atenção para a “confusão” às vezes de “estados” hipotéticos e realistas, típica de quem está muito imerso em um processo de criação que procura transcender os limites do que se encontra estabelecido. Sobre isso, digo que, mesmo hoje, 2008, ao ler e rever o projeto, percebo que, apesar de uma aura “utópica” que permeia as idéias ali colocadas, pode-se constatar (com um mínimo de boa vontade) o quanto os princípios pulsantes em cada aparente “devaneio” são, em essência, totalmente realizáveis! Mesmo dentro da estrutura acadêmica atual, mantendo-se todas as condições formais, materiais e humanas do presente. A maior prova disso é o fato de que, aqui e ali, na própria FAU USP, a escola do Pari segue acontecendo... Afinal, foi da FAU que ela saiu...

(O trecho em itálico serve para facilitar a identificação de coisas ditas mais diretamente sobre música, num mesmo contexto do qual deve aforar novamente mais adiante).

Para que servem as salas no programa da escola?

As salas são espaços de produção, mas estão um pouco para além disso. São espaços de estudo, assim como a biblioteca. Na biblioteca, temos as conversas com os professores vivos, no primeiro andar, e com os que já viveram, no segundo. Ou os que vivem longe. Ou os que vivem perto, mas cansaram de falar sempre a mesma coisa e escreveram livros. O bom de escrever, além de poder multiplicar a própria presença, é poder avançar. Quando se tem um pensamento que se escreve, ele não precisa mais ser toda vez repensado. Vira um ponto de partida novo, sujeito a alterações, claro. Mas já foi pensado. Escrever liberta assim, desse jeito, aumentando a liberdade de movimentos na hora de pensar. Sem jogar fora o que já tiver sido pensado. Mas isso é a biblioteca.

Nas salas, temos outros tipos de estudos. Se a conversa fica boa, oras, “quero ir com você pra algum lugar”. Não é assim? Aí vão aqueles que engrenaram a conversa, para as salinhas ou salonas. Marcam de conversar lá algumas vezes mais, até acabar o assunto e engatar outro, vai saber. As salas têm cadeiras que podem estar lá ou não, têm tamanhos variados, têm espaço para rabiscar grandão, porque falar é um negócio que pode se fazer de vários jeitos. E como existem vários jeitos de estudar, as salas de estudo também devem contar com tudo isso.

Algumas “atividades nomeáveis” têm se delineado mais recentemente nesse trabalho. Por exemplo, tenho falado bastante do canto e da dança, como atividades diretamente realizáveis a partir do instrumento primeiro que é o corpo. Ambas seriam de fundamental importância para qualquer estudioso que almeje uma consciência realmente abrangente de suas próprias possibilidades e limitações, com o objetivo de desenvolver-se a partir dessas variáveis, sempre procurando expandir esses limites. Não quero ser impositiva ao propor essas atividades como “as” atividades que se prestariam a esse fim. Mas acho que elas funcionam muito bem. E estão compreendidas, mesmo atualmente, no campo das artes, ou seja, da criação, da expressão.

Abrindo um breve parêntesis, posso arriscar dizer que aqui entrariam todas as variantes dessas “atividades de desempenho”. Os esportes, algumas práticas esportivas que lidem com isso mais diretamente, com esforço, trabalho e resultado, com trabalho em busca de um desempenho, de uma perfeição, dentro dos limites humanos. Isso deveria ter algum espaço. Ainda que fosse para o esporte como aprimoramento do contato humano. As atividades todas, mesmo as brincadeiras, quando realizadas por pessoas seriamente envolvidas com a sua existência, podem ser sempre produtivas, mesmo que imperceptivelmente. Não tenho muito material meu pra desenvolver isso, estou arriscando, só. Quem se preenche com sua própria existência só precisa de, no máximo, algum espaço para compartilha-la com outros. A vida é boa, não importa o que aconteça. E os outros, plenos também, nos preenchem.

Outras atividades de desempenho: estudos em geral, claro, mas estudos relacionados à performance. Daí (também) entra a música. “Também”, porque a música entra por várias passagens. Um outro exemplo seria pelo estudo de linguagens. Mas aqui estamos vendo a questão da perfeição, do estudo. A música pede precisão, mesmo para ser imprecisa, para “expressar”. O estudo de música desenvolve as habilidades necessárias para o apuro técnico. Para o compromisso com a realidade. Pressupõe afinação e sincronia. Para chegar lá, é preciso ouvir. O exercício de ouvir a realidade mais o que se produz (“a nova realidade”) se alastra para todo o resto. Então vejo muitas salas de piano, como espaços em que as pessoas possam sempre aprimorar-se tecnicamente. São espaços praticamente inexistentes na cidade. Muito importante ter pianos no Pari. Talvez como um “corredor vitrine”, com bom isolamento acústico, mas com vista de todos os pianos sendo usados. Há algum mal em estudar com gente olhando? (não ouvindo) Não sei, a se pensar...

No curso de música atual já acontece um encontro mais direto do aluno e do mestre. O aluno é escolhido pelo mestre desde a prova de aptidão. É como se fosse uma entrevista. E o mestre, se tudo der certo, caminhará com o aluno até a formatura.

Bom, salas de ensaios. Salas de conversas (cada vez acredito menos necessárias essas salas, enfim)...
O grande auditório-arena de palestras. Será que funciona? A palestra não é o mesmo que um livro? Como funcionam todas as formas de comunicação? Dá impressão de que ninguém lê nem escuta ninguém, quanto menos produz alguma coisa que valha ser comunicada. Mas isso é uma opinião extremada, de momento. Tenho visto o quanto os mundos particulares individuais têm riquezas desconhecidas até mesmo dos próprios donos-autores. A maioria dessas riquezas, e vai ver por isso permanecem ocultas, intocadas ou mal tocadas, não passa de um potencial. Isso é louco, o quanto cada um é, sem saber. O que se precisa para saber? Precisa alguém querer saber... mas e se ninguém quiser nunca saber de si? Precisa então existir um despertar pra essa coisa, do grande saber que cada um tem e que pode ser de grande valia para a construção da humanidade. Quantas pessoas não passam batido por aí, delas mesmas? Quantas pessoas não tenho “descoberto” nessas minhas conversar de ultimamente? Quantas estão ainda por se descobrirem e quanto não poderão fazer depois disso? Além de tudo o que poderão fazer por si, o quanto não poderão fazer pelos outros?
São essas as grandes maravilhas da comunicação humana, em escalas reduzidíssimas, mas com potencial, e esta é a palavra-chave, para se alastrar e contagiar tudo. Ninguém é entitulado professor, mas todos podem sê-lo. E aqueles a quem se dá de fato o título devem ter muita consciência do que estão prestes a empreender a cada momento de sua atividade.
Daí não sei se seria por via de salas de ensaios só. Cada vez mais fica clara a importância de esse espaço ser de fato o que contém o nome do trabalho, a tal propriedade de reunião de idéias. Ou, simplesmente, de reunião. Bom, vamos avançar.

Fui questionada por um motivo de extrema importância durante os trabalhos do grupo: haverá aulas? Como será o curso?

Passo um: Não haverá vestibular. O processo seletivo são as vontades envolvidas. Ninguém é obrigado a estudar e, ao mesmo tempo, com o tempo, deve-se criar uma atmosfera de compromisso com o saber. Como seria isso? A idéia de um curso obrigatório, como foi o de história na FAU, por exemplo, me fez querer abolir todo o tipo de obrigatoriedade. Por outro lado, tenho maturidade suficiente para não conseguir me enganar com algumas simplificações. Mas o “obrigatório” deve ser reduzido ao mínimo, para inverter a tendência de reduzir a visão das coisas. Certo? Ficaria assim: um mínimo fio condutor, cuidadosamente elaborado. Para também, alguém lembrou disso, permitir que se formem as turmas. As aulas obrigatórias, antes de tudo, são oportunidades de encontro. Em determinado horário, tantas vezes por semana, sabe-se que tais pessoas estarão em tal lugar. Nem importa tanto o “pra quê”. Pra isso. Pra se encontrarem. Claro que o conteúdo em torno do qual as pessoas se encontram pode se aproveitar ao máximo desse encontro, o que seria lindo. Produção total! As pessoas não devem se encontrar apenas nas aulas, mas também nesse espaço. Por isso as aulas devem ser o máximo “interessantes”, pra darem o que falar. Todas as atividades “acadêmicas” entrarão imperceptivelmente nas conversas. Porque serão parte da vida.
Em resumo: todos os interessados são admitidos pela escola, amparados pela estrutura das salas de aula gigantes. O espaço da arena é amplamente usado em aulas abertas. Como nada é muito linear, ainda que haja um caráter introdutório forte nessa etapa inicial do curso, as aulas “servem” bem a todos os estudantes, por seu conteúdo. Daí o jeitão da coisa de uma “grande palestra”, aberta inclusive para quem passar na rua. Deve haver mecanismos de amplificação do som, tudo o mais simples de ser executado, sem grandes parafernálias. Não sei como seria isso, se com captadores pendurados no prédio. Mas essa é a idéia para a arena. (Lembrando que, é claro, ela pode e deve vir a abrigar outras).
Pensei em um ano como um tempo suficiente para se decidir se se assume ou não um compromisso com a escola. Depois desse um ano de atividades diversas, conversas, vida intensa na escola, o aluno escolhe se quer ser aluno ou não. E caso escolha ficar, assume uma responsabilidade maior, no sentido de sua presença fazer-se mais importante no espaço do que antes. Continuam as aulas obrigatórias, agora mais amarradas, formando um corpo mais lógico, “por blocos” de três cursos simultâneos, poderia ser. (?) Estou arriscando pensar alguma coisa...
O segundo ano seria um novo primeiro ano de alguém que decidiu ficar e crescer naquele espaço. De alguém que optou por confiar sua formação a um mestre. Bom esse segundo ano ser um “novo primeiro ano” por isso. Agora o aluno é realmente introduzido à escola, por meio das aulas e atividades. No segundo ano, independente do “curso”, ficam também mais intensas as atividades de “preparação para o saber”, o canto e a dança. O aluno deve ter contato consciente com seu próprio desenvolvimento, com seus “métodos de saber”. Ao longo desse segundo ano, ele deve ir encontrando seus pares e mestres. Porque, no ano seguinte, ele já comporá a escola, em pé de igualdade com os outros.
Tendo escolhido um mestre e encontrado uma vontade dentro das muitas possibilidades, o terceiro ano deve girar em torno de uma pesquisa. Não importa se individual ou em grupo. O que importa é que as pesquisas sejam vontades próprias muito fortes de quem as desenvolver. Quanto a isso os professores devem estar sempre bastante atentos. Isso vai depender da dedicação dos docentes no espaço da biblioteca, das conversas que vão acontecer ali. Não existe “sonegação de informação”. O professor não precisa trabalhar com o aluno se não sentir vontade, mas pode orienta-lo no encontro dos pares...
Não existe um formato de pesquisa. O importante é que haja um produto a ser definido, produzido e trocado. (comunicado). A pesquisa termina quando o assunto se esgotar. Pode ser reservado para isso até o final do quarto ano. Portanto, são dois anos, talvez um de elaboração e outro de desenvolvimento da pesquisa. Não necessariamente esses tempos, divididos assim. O importante é como acontecem os processos e como são produzidas e comunicadas as idéias. Muita atenção dos professores, para o bom uso da biblioteca e demais recursos disponíveis.
Tudo deve ser feito com muita calma, contanto que esteja sendo feito. Cabe ao professor, muitas vezes, pôr um limite, adequa-lo a dimensão ideal de um trabalho naquele momento de formação. Para não ser algo muito reduzido nem muito extenso. Não existe uma regra, no entanto. De repente, o aluno precisa de uma micro-pesquisa antes de lançar-se a um trabalho maior. O professor deve perceber tudo isso, conversar com os colegas a respeito de seus orientandos. Deve ser um trabalho bastante cuidadoso.
Ao longo desse período, é fundamental que a escola seja tanto um alojamento para visitantes como ponto de partida de viagens. Aí entra a idéia do trem, de pensar períodos de ocorrência dessas viagens, com intuito de estar sempre dinamizando o ambiente das conversas. Fundamental. Como as pesquisas serão parte importante da vida das pessoas, como a atividade é ampla, não se restringindo a coisas mecânicas alheias à vida dos estudantes, esses encontros serão muito produtivos. Não se deve ignorar a juventude típica das escolas, mas os alunos “sérios”, para os quais tudo está relacionado e faz sentido, não se contentarão com atividades esdrúxulas nesses encontros e muito menos no dia-a-dia.
(Importante, dessa forma, prever unidades habitacionais estudantis no entorno da escola, ainda que não sejam exclusivamente habitações estudantis todas aquelas que vierem a ser propostas).
O último ano do curso, talvez o sexto, deve ser um ano “para fora” e “para dentro”. “Para fora” como algo que se volta para o lugar de onde veio o aluno, de fora da escola. Assim, a cidade e todos os seus aparelhos, inclusive o espaço. “Para dentro” como uma avaliação das transformações internas que aconteceram no próprio aluno ao longo do curso. Nada muito drástico, pois o próprio curso, com suas aulas e atividades, tende a desenvolver essa “propriocepção”. O trabalho final, o produto final dessa etapa, portanto, deverá ter essa abrangência. Deve ser justificado pela transformação do aluno ao longo dos anos de escola; o trabalho será feito da relação dessa transformação com uma proposta de transformação da cidade como o conjunto de relações e coisas que a constroem.

Tudo o que escrevi até aqui, sinto muito, parece muito o “resultado” de um curso de arquitetura. Porque peguei uma linha de raciocínio pra chegar até aqui que parte da minha formação no curso de arquitetura. Vamos ver como fica todo o resto.
Voltando ao início, àquele primeiro ano geral. O que é comum a todos os estudantes? Todos pensam, tem pernas, braços e vontade de estar ali. Assim, as aulas expositivas na arena (suponho que sejam lá, já que serão muitésimos estudantes...) serão as mais amplas possíveis. Falarão da vida. Falarão sim, da cidade. Farão brotar do cenário as mais diversas atividades humanas. Mostrarão caminhos. Mostrarão o potencial do espírito, do pensar.
As aulas nas salas, de canto e dança, servirão para mostrar o potencial do corpo. O potencial de realização sem instrumentos que não o próprio corpo, o potencial de comunicação, criação e expressão que eles nos fornecem, ou que somos nós mesmos. Essas aulas num primeiro ano, por mais que se desenrolem em “aplicações práticas”, um coro ou números de dança, serão prioritariamente técnicas. O mesmo nos ateliês. O primeiro ano é o ano de aprendizado básico, do manuseio das ferramentas, sempre com algum produto mínimo, uma amostra do potencial que pode se desenvolver no fazer continuado. Ficam previstas também algumas visitas a fábricas, teatros, sets de filmagens, fazendas (a questão do abastecimento+alimentação estará sempre presente no “campus”)... lugares exemplares de produção. Deve-se procurar, nas visitas, nunca perder o foco da relação daquela produção visitada com o entorno, desde sob o aspecto da cidade até o daquele mesmo ramo produtivo. Durante o primeiro ano, o aluno deverá ter passado por todos os cantos da escola, para que possa ter uma noção mínima de que se deve ficar ou não e, se ficar, para onde mais ou menos deverá caminhar.
Aí sim, no segundo ano, é preciso pensar uma estrutura montada para receber as inúmeras vontades. Isso não deve ser muito difícil, se se partir do princípio de que o curso será, durante um período máximo, o mais generalista possível. Assim, no segundo ano, continua a miscelânia. Lembrando novamente que o segundo ano é, na verdade, o primeiro. E que só no terceiro a coisa deve caminhar para um interesse mais “específico”, por assim dizer, com o início da elaboração da pesquisa. O segundo ano é importantíssimo para consolidar os laços entre “os que ficam”. No segundo ano, já começam as escolhas, por afinidade, dos companheiros de trabalho. Como as coisas vão ser faladas abertamente, com o professor atento descobrindo junto com o aluno quais são as vontades e pensando jeitos de trabalhar com elas, é capaz que haja, sim, muitos trabalhos em grupo, ao menos duplas.
Falo, meio como chute meio como leitura que fiz do Rodrigo Lefèvre, que a dificuldade maior que se tem hoje de trabalhar-se em grupo vem das vontades estarem escondidas, mesmo sem intenção. Não se estimula essa “propriocepção”, nem mesmo a intelectual. Tratam-se os assuntos como se fossem todos externos à individualidade, ou do contrário são inválidos. Defende-se um ideal “da maioria”, que é inventado, ou pior, que fica à mercê de um julgamento de alguém que se permite ter a última palavra. Com tudo posto às claras, será muito mais fácil trabalhar. E não poderá ser de outra maneira.
Para finalizar, por enquanto, mais um pouco sobre o formato dos cursos: deve-se possibilitar que o aluno escolha o que quer fazer “mais decididamente” após um contato com o máximo possível de atividades. Vai acontecer de alguns resolverem continuar algo mais aprofundado na própria dança, ou no canto. Ou projetar no canteiro. O que não pode acontecer é de se descobrir que é possível “praticar teatro”, ou então a cozinha do refeitório, no meio do quarto ano de curso, como uma coisa totalmente alheia ao que vinha se fazendo até aquele momento. Mais pra frente pretendo esmiuçar como essas junções podem acontecer. De como o trabalho com a voz e o corpo pode parar no teatro, passando pelo estudo de dramaturgia, por exemplo; será preciso que haja um amparo profissional para todo o tipo de “atividade relacionada” que se pretenda realizar. E que sejam pessoas que gostem de se relacionar com a “juventude que quer saber”. No fim, uma nova geração de profissionais irá surgir, já sem nomes definidos para as coisas.